Cinema

Depois de todos aqueles pensamentos, acabei por ceder. Atirei uma rosa que cheirava ao chão e corri até ao quarto. Vesti-me rapidamente, arranjei-me e tentei parecer o mais natural possível, como se fosse uma pessoa bastante social - o que era complicado. Quando já estava pronta, saí de casa e apanhei um taxi. Precisava de fazer qualquer coisa de interessante. Qualquer coisa como ver um filme. Mas não um filme de romance, como de costume. Nenhum drama, nenhum terror, nenhuma acção. Precisava de me rir, precisava de uma boa comédia. Comprei um bilhete e entrei para a sala 7, sentando-me no lugar indicado e aguardando pelo início do filme.

Assim que saí do mercado, parei no apartamento para colocar as coisas nos seus devidos lugares. Não sabia o que havia de fazer, por isso, assim que saí de casa, parei no primeiro lugar que me apeteceu. Não estava com paciência para filmes, mas também não estava com paciência mesmo para nada. Comprei o bilhete, umas pipocas e alguma bebida. Depois entrei na sala, que já estava escura, assim que lá entrei. Sentei-me no lugar indicado, ao lado de uma rapariga.

Senti um rapaz a sentar-se ao pé de mim, uns três segundos depois das luzes serem apagadas e os anúncios começarem. Até a ver filmes gostava de estar sozinha, não gostava de mostrar as minhas reacções às pessoas. Porém, não ia resmungar com um rapaz inocente para se ir embora. Estava prestes a encostar o braço à minha esquerda quando senti uma pele fria em baixo da minha mão - Oh, lamento - apressei-me a dizer, repondo novamente a mão em cima da minha perna.

Remexi-me um pouco naquele banco, mal senti o toque da rapariga. Foi então que a sua voz denunciou-a por completo. - Jade? - mais um pouco e quase que gritava. Algumas pessoas atrás pediam silêncio. Afastei-me um pouco e virei a minha cara para ela.

No momento em que ouvi a voz dele, fiquei sem ar. Esperei que fossem só vozes na minha cabeça, ilusões criadas por aquela paixoneta imbecil, mas quando virei finalmente a cara confirmei que não o era. Queria gritar, mas não conseguia dizer uma sequer palavra. Levantei-me e saí daquela sala a correr para a casa-de-banho, deixando a mala em cima do banco.

Mal ela se levantou, virei-me para o ecrã. O filme começara naquele preciso momento e não era por a ter visto que ia estragar a minha noite. Comi a primeira pipoca e seguidamente, mais umas quantas. Na minha cabeça não parava de vir a imagem de Jade, mas mesmo assim o orgulho falava muito mais alto e não fui, de maneira nenhuma, ter com ela. - Aguenta-te firme, Derek. - murmurei.

Mal entrei na casa-de-banho tranquei-me e consegui finalmente gritar. Porquê? Porque é que neste mundo, de toda a gente que podia encontrar, tinha de o encontrar a ele? Mais valia encontrar a psicopata da Alina e não ver a luz no dia seguinte, ou o assassino do outro anjo e culpá-lo novamente. Mas não. Tinha de aparecer Derek. Olhei-me ao espelho. Os olhos estavam vermelhos, apesar de não ter sentindo lágrimas a caírem-me no caminho. Olhem em volta, procurando a minha mala. Foi aí que me apercebi. Tinha de regressar. Tinha de ver aquela figura novamente. E tinha de aguentar. Respirei fundo. - Vieste para ver um filme. Vê. O. Filme. - murmurei pausadamente. Comecei a ouvir reclamações do outro lado da porta e passei uma ultima vez o dedo indicador pelo olho. Saí e atravessei a fila que se tinha instalado até chegar novamente à sala. O filme já tinha começado, e o meu lugar continuava ali. Caminhei até ele e sentei-me, evitando olhar para Derek.

Senti novamente a presença de Jade do meu lado. Não lhe disse nada e muito menos a mirei. Continuei feito uma estátua a olhar para o ecrã. Acho que nem para comer e beber me mexi. Para ser sincero, eu já nem sequer conseguia prestar muita atenção à comédia. Nem me dava ao trabalho de entender. Sabia bem que não o ia conseguir. O tempo passava, passava e passava. Ainda meio que de esguelha, fitei por uns segundos de Jade e suspirei. Talvez tivesse suspirado alto demais e não deixei de esconder o meu embaraço.

O filme foi passando. As gargalhadas à nossa volta eram constantes, mas nem eu nem ele nos ria-mos. Quanto a Derek, não sei. Mas eu não me mexi, nem para verificar se tinha tudo na mala. Ouvi um suspiro e senti os olhos deles presos pela primeira vez em mim. Resisti em olhar também, prendendo o olhar no chão. De repente as luzes acenderam-se. Voltei a olhar para o ecrã e vi em letras grandes "INTERVALO". Continuei quieta, sem me mexer.

O meu olhar dirigiu-se imediatamente para as luzes que se acenderam. Olhei para o ecrã e seguidamente para Jade. Ela não se mexia, nem sequer para me olhar. Pudera, eu fora um estúpido em deixá-la sozinha. Mas também ela queria o quê? Levantei-me e fui até à casa de banho. Passei a cara por água. Seguidamente fui buscar mais uma bebida e voltei a sentar-me.

Suspirei. Finalmente ele tinha saído, nem que por 5 minutos. No entanto, esses minutos passaram a correr, e quando dei por mim tinha Derek ao meu lado novamente. Continuei sem me mover, esperando que o filme recomeçasse rapidamente. Porque é que aquilo tinha de acontecer? Estávamos a portar-nos como crianças. Podíamos ser só amigos... se eu conseguisse ser só amiga de Derek. Estava tão concentrada a ouvir o respirar dele, que só me apercebi que os alarmes de incêndio estavam a tocar quando vi uma multidão a dirigir-se às saídas.

Olhei em redor. Os meus sentidos ficaram apurados tão rapido, que só tive tempo de pegar na mão de Jade e sem muito histerismo, desloquei-nos para fora do cinema. Tinhamos vindo dar às traseiras do mesmo e pelo que via, ninguém ali estava. Menos mal, assim não haveria barulho ou algo do género.

Só consegui respirar quando já estávamos atrás do cinema. Quando isso aconteceu, a tosse invadiu a minha garganta. Observei as chamas a consumirem aquilo que costumava ser a sala de cinema e, mais importante, não fui capaz de me afastar de Derek. - Estás bem? - murmurei entre dentes, sem retirar os olhos daquela mistura de cores quentes.

Mal me dei conta que tinha agarrado em Jade, afastei-me dela e fiz uma careta. - Sim, estou muito bem. - pela primeira vez naquela noite, eu tinha-lhe digirido a palavra e ela a mim. Mas não tive coragem de lhe perguntar se ela estava bem. Não, o orgulho ainda falava muito alto.

Claro. O orgulho dele. Ainda não. Não era isto que nos ia ajudar. - Está bem... Então, obrigada, acho.. - disse baixinho, começando a afastar-me para me ir embora. (Ir-me embora? Para onde? Eu só queria estar ali, ao pé dele...)

- Então xau.. - queria imenso virar-me para ele e tê-la nos meus braços, mas como sempre, eu nunca avançava e limitava-me a fazer de conta que nada tinha acontecido. Dei meia volta, coloquei os fones dos ouvidos e comecei a caminhar.

-Derek! - gritei ainda, não querendo saber mais daquela merda de orgulho. Não sabia se ele me ouvira ou não, com os fones nos ouvidos - Derek... - sussurrei de novo para mim, quando ele não voltou logo. Tinha-o perdido. Virei-me de costas e, sozinha, lamentei-me: - Porquê Derek? Porquê? Porque é que me fazes isto?

Parei assim que consegui ouvir alguém a chamar-me. Eu reconhecia aquela voz, apesar de ter os fones nos ouvidos. Desliguei a música e virei-me ligeiramente. - Porque é que te faço o quê? Ham? - gritei de forma a que ela pudesse ouvir-me.

Oh, afinal ele tinha-me ouvido. Virei-me de novo para ele e, quando o vi, a minha depressão virou raiva - Porque é que tu continuas a abandonar-me?! A ser um estúpido? A armares-te em inteligente e fixe e que não precisas de mim para nada?! Porquê?! - gritei - A próxima vez faz-me um favor e deixa-me lá dentro, estaria melhor se estivesse a arder com o edifício!

Aquilo eram perguntas que eu mesmo não saberia responder. Ou secalhar sabia, mas não queria.. Já nada fazia sentido, sim, era isso. Encolhi os ombros e cruzei os braços ao peito. - Sei lá eu.. - uau, aquilo tinha sido uma resposta um tanto, estúpida. Mas saiu-me. - Ainda vais a tempo de te enfiares lá dentro.. - disse num tom ligeiramente frio.

Senti-me a enfurecer - Ai estou? Boa ideia! - gritei-lhe e comecei a caminhar em direcção às chamas. Não, não estava a gozar. Estava a falar bastante a sério. Era daquilo que estava à espera há séculos, e agora podia transformar o meu suicídio num acidente, e com alguma sorte até voltavam a investigar o desaparecimento da minha irmã. Talvez até conseguisse fazer justiça.

Espreguicei-me e guardei os fones, juntamente com o ipod nos bolsos das calças. Sentei-me na relva e meti-me a jeito. Coloquei os meus cotovelos em cima dos meus joelhos e olhei para Jade. Ou ela era muito doida, ou tinha uma grande panca. Pois eu deixei-me estar, sem mexer um sequer dedo.

Quando dei por mim estava a um metro e meio das chamas. Sentia o calor contra a pele e ouvia estrondos por dentro do edifício, mas ainda estava pronta para entrar. Só havia algo que me prendia... Quer dizer... era eu doida? Estava a matar-me por um rapaz? Não, não era pelo rapaz. Era por tudo. Tal como eu disse, não estava ali a fazer nada. Só haveria uma coisa que me ia fazer falta, a minha gata. - Até ela deve encontrar uma dona melhor - disse e fechei os olhos, dando um passo na direcção do fogo. O que mais me magoava naquele momento era que ele não tinha feito nada. Tinha-me deixado ir. Em poucos segundos senti um cheiro chamuscado e o meu corpo começou a ser queimado como se estivesse a fritar.

Peguei no charro e acendi-o. Depois continuei a tomar atenção a todos os passos que ela fazia. Levantei-me e lentamente caminhei até ela, impedindo-a de fazer o que quer que fosse. - Mata-te quando eu não estiver aqui, se faz favor.. - revirei os olhos e voltei a responder num tom frio. - Não sabes o quão mau fica o cheiro a carne tostada! - e peguei nela tipo saco de batata, levando-a para fora dali.