Hospital

- Não.. acho que ninguém morre. - não me lembrava muito bem do sonho, mas tinha a certeza que ninguém morria. - Só levavam o bebé, não sei bem. - suspirei. - Senti um aperto no coração, quando falaste nele. - informei-o.

Pelo menos Vane estava vivo, na altura. Estremeci e fitei-a. Não sabia se lhe deveria dizer devido ao seu estado de choque e à amnésia - Foste a última pessoa a ver o bebé e gostavas dele. É difícil não se gostar de uma criança tão fofa como o Vane - esperava que aquela sua amnésia desaparecesse. Não lhe queria nada dizer "Olha, tivemos sexo à bruta há uns meses atrás. Sei que não sabes quem sou mas acontece que temos um filho em comum, que tal?"

Sorri instantaneamente ao ouvir o seu nome. Não sabia o porquê, mas aquele nome fazia-me crer, que me era familiar. Talvez fosse meu primo, ou irmão.. - Quem me dera puder ajudar-te mais, mas não me lembro de nada, mesmo. - falei aborrecida. E toda aquela minha suposta.. hum.. amnésia, levantava outra questão. - Tu és o quê do bebé?

Engoli a seco e olhei para ela - Sou o pai dele, Alina. - respondi num tom abafado. Sentia-me à beira da lágrima. Meu deus, como era possível? - Um pai que nem o conseguiu proteger. Um inútil - murmurei amargamente e apresei-me a sair do quarto, encostando-me à parede do corredor.

Baixei o olhar ao ouvir as suas palavras. Era realmente mau, o filho dele ter desaparecido assim sem mais, nem menos. E o pior, era que tinha desaparecido, mesmo quando, ele estava comigo. Tentei levantar-me. Mexer-me de qualquer maneira. Apesar das dores que sentia, dos ossos partidos que tinha, com a mão sem o gesso, tirei alguns cabos, que estavam no meu corpo e caminhei lentamente até sair do quarto. Inspirei e expirei. Depois caminhei até ao rapaz e coloquei a minha mão no seu ombro. - Desculpa.. - torci o lábio, outra vez. - Se eu fui a última a ver.. então devia ter tido mais atenção.

Parte de mim queria culpá-la por tudo. Se ela não me quisesse afastado a vida de Vane, eu teria estado lá e protegê-los-ia! Nada dito e teria passado. Mas não a podia culpar por tudo e agora nem valia a pena. Mordi o lábio - Não é tua culpa que te tenham espancado até ficares assim, amnésica. Devias deitar-te e descansar, deixa-me ajudar-te - Deixei-a apoiar-se no meu corpo e voltámos para dentro do quarto.

Apoiei-me ao seu corpo, mesmo achando que não era preciso. Eu podia muito bem caminhar, apesar das dores. Sentei-me na cama e olhei-o. - Tu não me curtes muito, pois não? - perguntei. Talvez fosse por ter deixado que o filho dele, tivesse sido levado, ou talvez, ele não gostasse mesmo de mim.

Nesta situação aquela pergunta era bastante irónica. Ela quer-me morto, apenas esqueceu-se disso e eu é que não a curto - Em tempos, gostei de ti. Depois não faço ideia o que é que aconteceu e deixámos-nos de suportar.

- Ham.. - fiz um ar de quem tentava lembrar-se daquilo, mas sem efeito. Nada fluia na minha cabeça. Deitei-me novamente da maca e olhei para o tecto daquele quarto. Eu tinha tantas perguntas para fazer.. - Supostamente, o meu nome é Alina?

Tentei relembrar-me a mim mesmo que não tinha tempo para conversa fiada. Mas que podia eu fazer? - Sim, chamas-te Alina e és natural desta cidade, Strange.

Tentei encolher os ombros. Então eu era daquela cidade, chamada.. Strange.. weird, muito weird. Não sabia se deveria ou não perguntar, mas eu tinha imensas perguntas. Sentia-me tão confusa e tão perdida. - Ham.. porque é que eu estava com o bebé?!

Não queria que ela entrasse em choque, nem numa catapulta de confusão que não me ajudasse nada em fazê-a relembrar o acidente. Por agora tinha de manter a sua cabeça com respostas simples - Ficaste a tomar conta dele. Sabes para onde te dirigias, quando saíste de casa?

Tinha ficado meio confusa com toda aquela sua resposta. Se nós não nos suportavamos, como ele tanto tinha dito, porque tinha eu ficado a tomar conta do bebé? Secalhar era amiga da mãe, ou secalhar ele precisava de algum favor.. haviam inumeras hipóteses que flutuavam na minha cabeça. Mas tentei focar-me na sua pergunta. Não lhe sabia responder em concreto. Não me lembrava de nada, sem ser daquilo que aparecera nos meus sonhos. - Eu não sei.. - passei a mão pela minha cabeça e suspirei. - Desculpa, mas não me lembro mesmo de nada.. sem ser o que já te disse.

Desta vez a minha insistência não valia de nada - Não te recordas mesmo de nada da tua vida? Famílias, gosto pessoais, memórias? - parei por momentos - desculpa estar a fazer tantas perguntas, nunca imaginei que isto fosse acontecer.

Pensando daquela maneira, tinha a perfeita noção de não me recordava de nada mesmo. Abanei a cabeça. - Acho que não.. não sei bem.. - o facto era, que eu nunca tinha ouvido falar, daquela cidade, que se dizia ser minha terra Natal.

Dalí eu não ia conseguir mesmo ter nada. Olhei para o relógio num súbito nervosismo. Já faziam sete hora desde que a trouxera para o hospital, ou seja, mais de sete horas sem saber do paradeiro do meu filho. - Vou-me embora, tens de descansar. Estavas em muito mau estado quando te encontrei.

De facto eu sentia-me cansada e ainda muito dorida e cheia de dores, mas agora com aquela história toda, não tinha a certeza se iria descansar.. - Está bem, então. - tentei deitar-me confortávelmente naquela maca. - Então.. boa sorte, acho.. e vais ver que vais encontrar o teu filho.

Engoli a seco e respirei fundo - Adeus Alina - murmurei e saí do quarto. Devia ser a primeira vez em meses em que ela não me insultara ou gritara comigo. Não era nada mau. Mas agora o peso recaía todo sobre mim - tinha de encontrar Vane, custe o que custar.

Naquela noite a minha cabeça foi invadida pelos mesmos sonhos que eu tivera. Via os mesmos dois rapazes a pegarem no bebé e a sair, mas assim que o sonho se tentava desenrolar, acabava sempre por acordar, ligeiramente suada. Depois de alguns episódios desses, ao longo da noite, lá consegui descansar. Na manhã seguinte, acordei com uma enfermeira no quarto.

Primeiramente, a enfermeira tratou logo de me mudar as ligaduras, já que estas a meio da noite, acabaram por ficar ensanguentadas. Também fui obrigada a repor os pontos do meu braço. Seguidamente, com a ajuda da mesma senhora, fiz a minha higiene e tomei o pequeno almoço. Depois voltei a recompor-me na cama e foi-me dado um comando da televisão, para eu ficar quieta, entretida a ver qualquer coisa que eu quisesse. Mesmo assim, não me sentia nada melhor. Pior, digamos.

Estava a dar uma série parva, em que um rapaz se transformava em lobo. Olhei com atenção a todo aquele enrendo e gargalhei, quando alguma situação menos apropriada e mais embaraçosa aparecia. Foi então que fez-se um pequeno clique.. aparecera-me vagas imagens do que acontecera. Aqueles dois homens.. dois homens desconhecidos.. e os seus olhos.. eram, eram lobisomens. Abanei a cabeça. Não, aquilo só devia ser confusão da minha cabeça. Os lobisomens não existiam, ou existiam?

O facto era, que todos aqueles poucos segundos me tinham feito confusa. Eu possívelmente era mesmo maluca, ou então, fora a pancada que os outros dois me deram, que tinham-me deixado ficar assim. Psé.. outro já se vira, lobisomens? Sim, eu estava mesmo mal. Peguei no objecto que estava em cima da mesinha e olhei para ele. Aquilo devia ser o meu telemóvel, cheio de números e nomes que nem eu mesma conhecia. Suspirei.

Foi preciso darem-me um acalmante, para que eu parasse quieta e não abrisse novamente os pontos. Como tal, acabei por adormecer e felizmente, não tivera os mesmos sonhos que à pouco o que me fez descansar muito mais.

Eu podia estar fraca e isso tudo, mas ainda tinha as pernas e bom, estava a começar a ficar farta de estar deitada naquela maca. Com algum esforço, levantar-me e assim que o fiz, caminhei até à porta.

Não sabia o que provocara aquela repentina dor de cabeça, só sei que acabei por me sentar, encostada à parede, agarrada a mesma. Tentei levantar-me, chamar por alguém, mas na hora, acabou por não sair som nenhum da minha boca. Foi então, que comecei a ouvir um batimento forte de um coração, uns olhos possessos e cheios de raiva. Invejosos.. Abanei a cabeça e tentei parar com aquilo tudo. Fosse o que fosse, estava a começar a ficar assustada e agoniada. Por sorte, a enfermeira que cuidara à pouco de mim, acabou por me encontrar naquele estado e levar-me para a maca, rapidamente.