Cemitério

Coloquei-me sentado de uma forma muito mais confortável. Não sabia porquê, mas aquele chão incomodáva-me. - Eu sinceramente, hoje não tenho nada para fazer, por isso, se precisares de encher o saco a alguém.. - apontei para mim. - .. estou aqui.

Olhei-o arqueando as sobrancelhas e deixei-me ficar calada durante um bocado. - Obrigada. - disse algum tempo depois e voltei a olhar noutra direcção. - Acho que não estou com paciência para isso hoje. - acrescentei de seguida.

Por uns segundos fiquei confuso. - Isso? - mas ela estava a falar mesmo do quê? De sexo, de conversar, de diversão, do quê? - Espero que não tenhas levado nada para o lado sexual. É que eu referia-me mesmo a companhia.

- Não levei nada para esse lado. - revirei os olhos. - Estava a referir-me a "encher o saco a alguém". - disse usando as palavras que ele tinha usado.

tenho de ir embora, até amanhã

Afinal era aquilo? Aqueles meses que passara no Brasil tinham feito toda a diferença. AInda trocava palavras, era esse o meu mal. - Isso! Ah, ok. Não tinha percebido. - desde que ali eu tinha chegado, eu também não tinha percebido nada.

- Sim, era isso. - disse encolhendo os ombros. - Eu sei bem que querias que fosse para o lado que estavas a pensar. - gozei.

Definitivamente, hoje não andava nada bem. - Não tenho o vício de comer a mesma gaja, duas ou mais vezes.

- Ainda bem. - olhei-o e esbocei um pequeno sorriso cínico.

- Ainda bem. - imitei-a. - Queres ir algum sítio?

Dei-lhe um empurrão no braço por ele me ter imitado e encolhi os ombros à sua pergunta.

Não era com aquele empurrão que eu me afastava tão facilmente. Levantei-me. - Se quiseres ir dar uma volta, estou em casa. - dei meia volta e caminhei até desaparecer.

Revirei os olhos e depois de ficar mais algum tempo ali sentada fui embora.

Estava farta de fazer sempre a mesma coisa àquela flor que coitada, já devia estar a lançar-me milhões de pragas. Fui dar uma volta, mas nunca larguei o livro. Depois de passar pela florista, dirigi-me até ao cemitério. Para ser sincera nunca tinha lá ido sozinha, e dava-me um certo medo de tal ideia. Suspirei. Entrei naquele local e caminhei até a uma determinada campa. A dos meus pais..
Alguns minutos depois, fui-me embora.

Passei pela florista e tentei ser o mais sorridente possível quando comprei dois ramos de cravos e tulipas para pôr na campa dos meus pais, e outro de rosas para a minha irmã. Passado um pouco, estava no cemitério. Por baixo de um chorão, lá estavam as campas, todas seguidas - mãe, pai, irmã. O que mais me magoava era saber que não estava nenhum corpo ali. Não saber o que acontecera a Ruby. Troquei os ramos podres pelos novos e sentei-me num banco, começando a chorar silenciosamente. Precisava de falar com alguém, e não estava preparada para um médico. Farta de soluços, acabei por enviar uma mensagem a Drake.

Não chegara a responder a Jade. Assim que vira o seu sms saí de casa, mesmo que essa fosse a última coisa que quisesse fazer. Encontrei-a pelo som e aproximei-me silenciosamente. Sentei-me a seu lado e apertei a sua mão, sem dizer nada .

Só me apercebi que não estava sozinha quando senti uma mão a apertar-me os dedos. Olhei para Drake e pousei a minha cabeça no seu ombro. Não estava definitivamente no modo de pensar que ninguém queria saber, ou que me devia manter calada, ou que devia era me estar a rir por estar viva. Naquele momento, precisava de me aliviar. Fixei os olhos na campa que dizia "Ruby Gregory 1993-1999" e, mesmo sabendo que ele não fazia ideia do que eu estava a falar, murmurei: - Achas que alguma vez a irão encontrar?

Aquilo tudo era muito estranho para mim, especialmente depois dos acontecimentos que se tinham passado. Mas Jade não parecia estar bem por isso fiz um esforço par a conseguir apoiar - Se estiver viva? Talvez. Se a amares, então um dia irão estar juntas novamente - Disse não sabendo bem de quem estávamos a falar por isso apenas disse algo que o meu avô me costumava dizer.

Fiz um pequeno sorriso e continuei a chorar silenciosamente. Quando as lágrimas acabaram, consegui murmurar: - Obrigada. - tinha sido a primeira vez a falar com alguém sobre o assunto. Se é que se pode chamar isto falar.

Nem valia a pena perguntar "Está tudo bem?". Era óbvio que não. Mas sem ser isso, eu não sabia o que mais poderia dizer.
- Era tua irmã? - Perguntei, sem a intenção de perturbar.

Retirei devagar a cabeça do seu ombro e levantei-me, caminhando até à campa - Gémea. - confirmei, ajoelhando-me.

Levantei-me e segui-a até à campa. Era melhor não lhe perguntar o que é que acontecera, podia ser demais para Jade.
- Hoje é alguma data especial? - Perguntei, já que assim parecia.

-Faz 13 anos. - respondi simplesmente, mesmo sabendo que ele não iria compreender. - Treze anos que estou sozinha... - olhei para as outras campas. Talvez ele percebesse assim.

Olhei em redor. Havia mais duas campas naquele local. Pelas mensagens gravadas na laje consegui perceber que eram os pais de Jade e Ruby - Lamento imenso, Jade - Treze anos era muito tempo, mesmo para alguém como eu que andava sempre sozinho.

-Também eu - comentei, sem retirar os olhos da campa. Após uns segundos de silêncio, consegui olhar para Drake. As minhas lágrimas já tinham secado e a minha voz, apesar de ainda um pouco rouca, já estava mais natural - Obrigada por teres vindo - agradeci novamente - Precisava... precisava de alguém e sinceramente não me lembrei de mais ninguém...

Olhei para ela mas não consegui sorrir desta vez. Ainda bem que Jade acalmara um pouco.
- Não tens nada a agradecer, Jade. Podes contar comigo para o que precisares - E sim, pela primeira vez em muito tempo, eu queria tentar ser um bom amigo.